CENAS DE UM JULGAMENTO DIÁRIO
O réu estava indefeso...Sentado, calado, amarrado por amarras invisíveis. Já não chorava. Apenas ouvia e calava.
Atento ao promotor que o acusava e o agredia,estava o juiz pensativo. Tortura psicológica. O tempo passava. O júri olhava, ouvia, nada falava, pois não era o momento.
Momentos depois, o réu foi chamado a depor. Acusação: amar alguém do mesmo sexo. As pessoas falavam ao pé do ouvido coisa do tipo ”indecente”...
E sua voz não era ouvida. Porém em seu depoimento, disse: “Amo, amo muito
Sou leal, respeito gosto
Vivo pelo amor, e sei também, sou amado
Vivo escondido
Escondo o que sinto
Amo muito
Não pedi para me apaixonar
Para que condenar-me, enquanto o mundo suicida-se em guerras?
Posso estar errado aos olhos de todos, mas não nego o amor
Apenas digo: nossas vidas transformam-se em uma, no silêncio da noite
E, acima de tudo, a minha vida é dedicada ‘a outra...”
As pessoas estarrecidas, condenavam-no: indecente, imoral...
Sem advogado de defesa ( a não ser ele próprio), fora condenado ao isolamento, ‘a solidão, segregação...
E seguiu condenado.
Depois de passado algum tempo, sentiu-se fortalecido de alguma forma. Descobriu que seus opressores eram assassinos. Vejam só: um matou o vizinho por dinheiro, outro, além de assaltante, era pedófilo, explorando fotos de crianças, ainda u terceiro chegava em casa bêbado e espancava a mulher. Por que essas pessoas eram melhores que ele, pergunto?
Nosso amigo pensou e resolveu gritar ao mundo:
“Sou indecente, imoral, sou tudo isso
Apesar de tudo meu amor sempre foi maior!”
Ele sempre acreditou na força de seus sentimentos, cultivou a alegria, sorriu quando a vontade era de chorar. Perdoou as injustiças. Sua consciência era limpa.
Quando foi “solto” daquela prisão, voltou para casa e sentiu uma vontade imensa de falar com seus opressores. Trocou-se e foi ao julgamento que estava ocorrendo, foi “‘a prisão”, avistou seu promotor e o juiz. Estendeu-lhes a mão e disse:
‘ Quando cada um for capaz de entende e aceitar seu próprio EU, não haverá grades que nos limitem. Libertem-se de uma prisão que é a pior do que aqueles que vivem no cárcere: a prisão do preconceito. Aí, verão que mesmo quando o corpo está livre, a alma encontra-se reclusa”
Saiu vagarosamente, em direção ao mundo, quando este já nem lembrava que fora réu um dia, pois as pessoas julgam e se esquecem de seus atos.
1990
Fernanda Pietra
Fernanda Pietra
Enviado por Fernanda Pietra em 31/01/2005